Quando eu estava para completar 22 anos, minha avó materna, pela primeira vez em muito tempo, perguntou quando eu pretendia me casar. Dei de ombros e ri; disse que não sabia e, apesar de parecer um tanto redundante, perguntei o porquê do assunto. Ela me olhou com reprovação e acusou: na sua idade, eu já tinha a sua tia mais velha no colo!
Eventualmente, ela revelou que não era só um desejo de ter bisnetos. Eu estava para me mudar para Araraquara, onde moraria sozinha; ela queria saber se eu estava preparada, adulta o suficiente para me virar.
Minha avó perguntou se eu já tinha torcido o pescoço de um frango; quando respondi que não, ela riu e me contou sobre a primeira vez que ela teve que matar e depenar um. Era uma reunião familiar — okinawana, que tende a juntar dezenas de parentes — e as mulheres estavam na cozinha preparando o almoço. Dizem que okinawanos não são pontuais, mas oferecem refeições fartas. Na minha experiência, antes de pensarem numa logística melhor e cada um trazer um prato pronto de casa, essas festas, de fato, conseguem transformar qualquer cozinha num reality show culinário.
Ao som de facas batendo nas tábuas de madeira e panelas borbulhando, quando uma mulher mais velha delega uma função a uma menina, não dá tempo de questionar. Então, quando minha bisavó mandou minha avó, com 14 anos na época, buscar e cozinhar uma galinha, foi isso que ela fez; com uma tia (que provavelmente estava encarregada de mais duas ou três tarefas na hora) recitando as instruções, minha avó aprendeu a matar um frango.
Minha avó gargalhava enquanto me contava essa história, a voz cheia de afeto e saudades. Senti o choro subindo minha garganta, porque ela lembra de ter que juntar os pertences que conseguia carregar nas costas para sair de Santos, onde ela nasceu, para o interior de São Paulo; em julho de 1943, a família da minha avó estava entre os 10 mil imigrantes que tiveram seus bens tomados pelo Estado brasileiro.
Apesar dos traumas que a guerra trouxe; apesar de ser filha de imigrantes perseguidos por brasileiros por serem “japoneses” e perseguidos por japoneses por serem Uchinanchu; apesar da situação de pobreza; apesar de ter cinco filhos e nenhuma comida; apesar do sofrimento de uma vida toda, minha avó lembra de estar na cozinha aos 14 anos, confusa e inexperiente, mas se divertindo num espaço onde mulheres trocavam e passavam receitas okinawanas adaptadas à colheita disponível em Presidente Prudente.

Nguyen Thanh Binh. Mother and child (series).
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