Votação do impeachment: ainda mais desagradável para asiáticas/os de esquerda

E nós achando que o domingo terminava com essa morte horrível que foi a votação pela admissibilidade do impeachment da presidenta Dilma. Mas sempre tem um gostinho um pouco mais amargo que as pessoas racializadas são obrigadas a engolir. Para quem não acompanhou, viralizou no twitter e em algumas páginas do Facebook (“Ajudar o povo de humanas a fazer miçanga” e “É por isso que eu amo a internet“, por exemplo) a imagem de um deputado amarelo acompanhado da já clássica e insossa piada do “pastel de flango”. Além de ter que acompanhar a investida fascista na política nacional, encerramos o nosso final de semana lembrando que a nossa raça é odiada, que a nossa história é toda instrumentalizada e que a nossa fala é sempre violentada. Não importa em que contexto, as pessoas racializadas têm de ser sempre lembradas de que, no juízo final, será julgada sua raça, e não suas ações.

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Para quem ainda não entende porque a piada em si é ofensiva, uma rápida passeada pelos comentários deixa muito bem explícito que a piada é a aparência mais elementar do universo histórico, simbólico e material da dominação branca, do racismo e da xenofobia. Veja alguns dos temas mais recorrentes quando o assunto é dominação da raça amarela:

Xenofobia

Seja para quem já está no Brasil há muitas gerações, seja para quem acaba de chegar, o pertencimento nunca é um horizonte palpável. Enquanto a norma for a branquitude, nós continuaremos sendo indesejáveis.

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Desumanização

“São todos iguais”, diz aquele que não enxerga em você a possibilidade da singularidade,  da subjetividade, da complexidade. A ideia de você é abstraída e colocada em um mundo de objetos sem história. O mundo branco só te aceita naquilo que você pode representar para ele. De outra forma, a sua existência pode se tornar agressiva a ele.

Nos milhares de comentários feitos nos canais que veicularam a imagem no Facebook, a grande maioria é de pessoas brancas marcando amigas/os asiáticas/os e dizendo “lembrei de você” ou coisa do tipo, às vezes até mesmo sem critérios, porque o parlamentar, homem  e velho é instantaneamente relacionável a qualquer outra pessoa amarela independente de faixa etária, gênero e contexto social.

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Fetichização

Dentre os comentários que demonstraram empatia com as pessoas asiáticas, muitos deles continuavam a reproduzir modos de controle sobre a raça amarela, principalmente voltado às mulheres. Uma parte essencial dos sistemas de dominação é a assimilação mediada pelo desejo do dominador, que só aceita a sua raça à medida em que ela cumpra as expectativas que ele tem sobre você. Enquanto fetiche, você só vale enquanto puder ser consumida/o, ignorado todo o processo de produção daquilo que você é e tomado por dado aquilo que você representa.

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Silenciamento

Quando internautas amarelas/os começaram a denunciar o teor racista do meme, mais uma vez foram lembradas/os de que suas vozes não importam para o mundo branco, assim como suas histórias e suas existências. As manifestações de protesto foram rebatidas com mais violência, na tentativa de se garantir o monopólio da fala branca.

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O privilégio de não pensar na sua cor

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O racismo é um sistema de manutenção e reprodução dos privilégios das pessoas brancas. Em diversas gradações, as pessoas racializadas são lembradas o tempo todo de que não se encaixam na norma, mas para homens brancos, cisgêneros e heterossexuais, só há normalidade. Amarelas/os, negras/os e indígenas são peças das engrenagens de exploração que mantém essa maquinaria em movimento. A solidariedade é um imperativo da luta antirracista. Combater a radicalização conservadora da política e a normalização da opressão racial, também nos setores de esquerda, é a única saída para a transformação integral da nossa sociedade. Lembremos que a nossa estrutura política é a continuidade modernizada do regime escravocrata e patriarcal e nós, amarelos e amarelas, também fazemos parte desta história. Resta-nos escolher entre viver como servos ou libertarmo-nos em solidariedade com os todos os oprimidos.

Leia mais: Kataguiri, Sakamoto e o Japonês da Federal: experiências de pessoas públicas racializadas

 

 

 

4 comentários sobre “Votação do impeachment: ainda mais desagradável para asiáticas/os de esquerda

  1. Não conhecia o blog, acabei conhecendo pela página”Preto Gay” no facebook.
    Isso mostra como é importante os oprimidos se unirem contra as raízes do racismo. Não adianta lutar por uma esquerda brasileira justa, se ela não engloba toda a diversidade cultural.

    Acho que a comunidade amarela brasileira não discute muito sobre o racismo que enfrentamos. É importante lutarmos pela causa dos indigenas, dos negros, das minas e monas e todos que sofrem a opressão diária. O debate e a discussão é necessária!

    Obrigado pela página, estarei acompanhando
    Yuri Oshiro

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  2. Eu, como mulher oriental senti na pele o que é ser discriminada, fetichizada, animalizada, desumanizada, humilhada e objetificada. Namorei um rapaz caucasiano estrangeiro cujos amigos e familiares (todos homens caucasianos, no caso) faziam os seguintes comentários a meu respeito: “A vagina dela é como os olhos dela?”, “Parabéns, você conseguiu a vagina de boas-vindas do Oriente”, “Como ela geme?” (esta última vinda do amigo dele que namorava uma das minhas melhores amigas). Este, me chamou de exagerada e nunca se desculpou. Também me chamou de “defeituosa” por “não gemer como uma oriental legítma” já que nasci e creci no Brasil. Meu ex namorado e minha ex amiga não me defenderam afinal, “não é com eles”. Fui discriminada duplamente. Por ser mulher e por ser oriental. Isso acarretou em um sério quadro depressivo. Muito obrigada por fazerem esta página, muito obrigada por existirem. Significa muito para mim. É de suma importância saber que não estou sozinha nessa.

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